O homem põe o pé fora da porta de casa. É baleado com um
único tiro, entre os dentes.
O homem era silente.
A mulher do homem apanhava.
A filha do homem apanhava.
O homem era silente (ainda).
Café da manhã: contas a pagar distribuídas, café queimando a
garganta, pão engolido às pressas, louça por lavar. E um tchau quase inaudível
passeando pelo ar, da mesa até a porta de casa.
O homem põe o pé fora da porta de casa. É baleado com um
único tiro, entre os dentes.
A mãe e a filha muito brigavam, como duas galinhas querendo
chocar o mesmo ovo. O pai comia ovos, adorava ovos. Os ovos não lhe deixavam
falar. Era como se tivesse engasgado um ovo na traquéia.
O pai batia, batia com os olhos, com o piscar dos olhos, com
os olhos que fugiam do foco.
A mulher do homem apanhava.
A filha do homem apanhava.
O homem era silente (ainda).
O homem põe o pé fora da porta de casa. É baleado com um
único tiro, entre os dentes.
Duas bocas abertas, rasgadas “in mute”, dois gritos surdos
parados no ar depois do estampido que trincou os dentes, o encéfalo e as
vértebras iniciais da coluna do homem. A bala penetrando em câmera lenta, até
livrar-se (num piscar) a 1.000km/h. Sangrado e empapado de sangue no chão, como
um galo à cabidela em preparo.
Imagine um chefe de família que não cacareja?
O homem põe o pé fora da porta de casa. É baleado com um
único tiro, entre os dentes. Contas a pagar.
Um câncer aumentando na garganta, mesmo depois do tiro,
prestes a chocar.
Lucas Paz
02.09.13
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